88 anos do pato mais lunático do mundo
Nem todo mundo tem o privilégio de fazer aniversário no mesmo dia que um personagem de desenho animado. Mas eu tenho.
Em maio do ano passado, eu publiquei uma edição da Anêmona na qual falava sobre os meus sentimentos ao completar 27 anos. Sinceramente, eu não recomendo que você leia aquele texto. Olhando com o distanciamento do tempo, aquela se tornou a edição que eu menos gosto de ter publicado. Ela é muito bad vibe. Achei que seria interessante escrever aquilo, mas o resultado saiu muito amargo. E ainda calhou de eu ter publicado na época das enchentes do Rio Grande do Sul. Mesmo que eu não tenha vivido aqueles horrores, já que moro em Santa Catarina, o sentimento por aquilo ter acontecido tão “perto” de mim e o medo de acontecer o mesmo aqui onde eu moro… Acho que você já entendeu. Não era um bom momento. No entanto, mesmo não gostando mais daquele texto, não pretendo tirá-lo do ar, pois ele é parte da minha trajetória como escritor de newsletter, e essa é uma trajetória que não consiste apenas de acertos.
Mas, pra esse ano, eu decidi mudar um pouco a minha postura. Escrevo este texto a poucos dias de completar 28 anos. Já passou da hora de eu voltar a encarar meus aniversários de forma mais leve. Claro, a ideia de chegar aos trinta anos ainda me causa ansiedade, mas esse sentimento não deve prevalecer sobre a alegria de continuar vivendo um dia de cada vez. E acho que eu finalmente encontrei a maneira perfeita de lidar com isso.
Eu duvido que alguma pessoa nunca tenha pesquisado sobre quais pessoas famosas fazem aniversário no mesmo dia que ela. Tu já fez isso, sim. Não mente pra mim. Enfim, eu já fiz isso e fiquei surpreso com o resultado: Jennifer Garner, Rooney Mara, Sean Bean, Victoria Beckham, Louise Cardoso, Márcio Garcia, entre outros.
Mas, obviamente, nenhum desses nomes é relevante o suficiente pra mim, já que o maior aniversariante do dia 17 de abril é ninguém menos que Patolino.
Eu meio que já sabia dessa informação há uns bons anos. O primeiro indício que eu tive foi através de O Show dos Looney Tunes, série animada na qual a turma do Pernalonga vive numa cidade normal e lida com situações cotidianas, como nas sitcoms. Teve só duas temporadas, mas acabou rendendo alguns memes, os mais famosos sendo relacionados justamente ao Patolino (a música do Mago e a cena da calça de shopping). No primeiro episódio da série, Pernalonga e Patolino se inscrevem num game show que consiste em duas duplas competirem pra saber quem sabe mais sobre seu amigo. Ainda no início do episódio, Patolino tenta demonstrar que conhece bem o Pernalonga, mas fracassa, enquanto o coelho revela saber várias pequenas coisas sobre o pato. Uma dessas coisas é o aniversário de Patolino: 17 de abril. Coincidentemente, também é o meu aniversário. Quando vi pela primeira vez, achei engraçado, mas acreditava que era só uma coincidência criada pelos roteiristas. Eu não sou tão especial assim, certo?
Só depois de muito tempo eu descobri que essa data foi escolhida porque o primeiro desenho animado com participação do Patolino foi lançado em 17 de abril de 1937. Patolino tem exatamente sessenta anos de vida a mais que eu. E apenas um de nós vai viver pra sempre.
Sendo assim, para celebrar essa data (e felicíssima coincidência), resolvi trazer alguns dos meus momentos favoritos da longa trajetória do Patolino, indo de curtas a longas. Felizmente, alguns dos desenhos que vou mencionar estão disponíveis no archive.org - um lugar seguro na internet (e que continue assim) para preservação audiovisual - e no serviço de streaming Max.
Gaguinho e a Caça ao Pato (Porky's Duck Hunt, 1937)
Dirigido por Tex Avery, esse é o curta que marca a estreia de Patolino nas telas. O personagem ainda não tinha o nome original “Daffy Duck”, sendo apenas um pato doido que fugia do Gaguinho a todo custo. Mas algumas características principais do Patolino, como a risada histérica criada por Mel Blanc, já estavam lá. Você pode ver o curta completo aqui (com áudio original em inglês).
Patolino Em Hollywood (Daffy Duck In Hollywood, 1938)
Um ano depois de sua primeira aparição, Patolino continuava sendo nada mais que um pato doido. Neste desenho de Tex Avery, o pato alopra com a produção de um filme. Você pode assistir aqui (em inglês) ou aqui (com a dublagem da Cinecastro - eu particularmente detesto as dublagens da Cinecastro, mas essa é a única disponível)
Fábrica de Bebê (Baby Bottleneck, 1946)
Fazendo uma alusão ao baby boom dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, este curta de Bob Clampett mostra Gaguinho e Patolino trabalhando em uma literal fábrica de bebês, garantindo que eles cheguem às suas famílias ao redor do mundo. Assista aqui (em inglês) ou aqui (dublado na Herbert Richers).
O Roubo dos Cofres de Porquinho (The Great Piggy Bank Robbery, 1946)
Nesse curta de Bob Clampett, vemos um pouco da imaginação fértil de Patolino, e seu gosto pelas histórias de Dick Tracy. Assista aqui (com dublagem da Herbert Richers) ou aqui (em inglês).
Nunca Vi Mais Pato (You Were Never Duckier, 1948)
Este curta de Chuck Jones marca um ponto de virada para o Patolino, pois é a partir daqui que ele ganha uma nova personalidade: deixa de ser só um pato maluco e se torna mais trambiqueiro. Você pode assistir aqui (somente em inglês) ou no Max (com dublagem em português).
The Scarlet Pumpernickel (1950)
Outro curta de Chuck Jones, no qual Patolino propõe um filme sobre o Scarlet Pumpernickel, uma paródia de O Pimpinela Escarlate, romance/peça de teatro de Emma Orczy. Assista aqui (em inglês) ou no Max (com opção de áudio em português).
A Trilogia da Caça: Rabbit Fire, (1951), Rabbit Seasoning (1952) e Duck! Rabbit, Duck! (1953)
Outro grande marco na história dos Looney Tunes. Foi nessa trilogia de curtas dirigidos por Chuck Jones que a rivalidade entre Pernalonga e Patolino foi estabelecida. Os três desenhos estão disponíveis em inglês aqui, aqui e aqui (os dois primeiros também estão no Max com a dublagem da Herbert Richers, enquanto Duck! Rabbit, Duck! está disponível aqui, com a dublagem da Cinecastro).
Pato Furioso (Duck Amuck, 1953)
Esse curta é uma das melhores coisas que Chuck Jones criou. É sempre muito divertido quando um desenho animado tem total consciência de que é um desenho animado e usa isso pra quebrar as suas próprias regras. Disponível aqui (em inglês) e aqui (em português).
Duck Dodgers no Século 24 e Meio (Duck Dodgers in the 24½th Century, 1953)
Chuck Jones e o roteirista Michael Maltese reimaginam Patolino como o grande (?) herói futurista Duck Dodgers. Assista aqui (em inglês) ou aqui (em português).
Nos anos 2000, foi produzida uma série inspirada nesse curta, tendo um tom mais sério (mais ou menos, pois ainda se trata dos Looney Tunes), com direito a um excelente tema musical interpretado pelo Tom Jones. Está completa no Max e eu recomendo demais.
Patolino vs. Pato Donald (Uma Cilada Para Roger Rabbit, 1988)
Sério, olha isso. Que maravilhoso. É muito bom viver num mundo no qual esse filme existe.
Looney Tunes: De Volta à Ação (Looney Tunes: Back In Action, 2003)
Ok, preciso esclarecer uma coisa. Eu não fui uma criança que cresceu com Space Jam. O que é um alívio, já que Space Jam não é um bom filme. Ao invés disso, o filme dos Looney Tunes que fisgou o meu coração durante a infância foi o criminalmente subestimado Looney Tunes: De Volta à Ação, dirigido por Joe Dante.
Dos três filmes híbridos (misturando animação e live action) dos Looney Tunes, esse é, de longe, o que mais tem cara de um filme genuíno dos Looney Tunes. É nítido o amor e respeito que Dante tem por esses personagens. Uma pena que a produção tenha sido bastante conturbada e o filme ainda por cima tenha sido um fracasso de bilheteria. Nossa sociedade falhou ao deixar isso acontecer.
Por mais que eu ame esse filme, devo dizer que a única coisa que eu mais acho difícil de aceitar é a ideia de que o Patolino é menos popular que o Pernalonga. É como se a Disney fizesse um filme sobre como o Pato Donald é menos popular que o Mickey. Um absurdo. E olha que eu gosto mais do Mickey do que do Donald.
Patolino Para Presidente (Daffy Duck For President, 2004)
Dirigido por Spike Brandt e Tony Cervone, e baseado em um livro de Chuck Jones, esse curta não é necessariamente incrível, mas acho válido colocá-lo nessa lista por ele ser uma homenagem póstuma a Jones.
Patolino, o Mago (O Show dos Looney Tunes T1E17, 2011)
Eu sei, é clichê, todo mundo já viu isso. Mas não tem jeito, o Mago é implacável.
Amor de Robô Gigante (O Show dos Looney Tunes T1E22, 2011)
Uma definição muito criativa do que é o amor, devo dizer.
Rapsódia do Patolino (Daffy’s Rhapsody, 2012)
Este curta feito em CGI resgata a rapsódia do Patolino, interpretada por Mel Blanc nos anos 1950, de forma magistral. Recomendo tanto a versão original quanto a brasileira.
Patolino na Malucolândia (Daffy In Wackyland, 2023)
Esse é o primeiro curta dos Looney Tunes feito em stop motion, e é inspirado num desenho clássico chamado Gaguinho na Malucolândia, de 1938, no qual Gaguinho de coloca numa caça ao último pássaro dodô vivo. Simplesmente maravilhoso. Disponível em inglês e português abaixo.
Uma outra ótima coincidência: exatamente daqui uma semana, chega aos cinemas brasileiros Looney Tunes - O Filme: O Dia Em Que a Terra Explodiu, o primeiro longa-metragem original dos Looney Tunes feito 100% em animação.
O filme passou por vários percalços pra ser lançado, pois foi um dos muitos projetos que a Warner Bros. Discovery engavetou para evitar pagar impostos. Alguns não viram a luz do dia até hoje, mas O Dia Em Que a Terra Explodiu foi adquirido pela Ketchup Entertainment, uma produtora americana independente, e os direitos de distribuição no Brasil foram pra Paris Filmes. Estou muito ansioso pra assistir.
Coyote vs. Acme Warner
E já que falei sobre O Dia Em Que a Terra Explodiu, tá na hora de trazer uma ótima notícia: Coyote vs. Acme, o filme híbrido dos Looney Tunes que a Warner decidiu não lançar, foi adquirido pela Ketchup Entertainment e será lançado em 2026!
Acho seguro presumir que o filme terá distribuição pela Paris Filmes aqui no Brasil, já que ela pegou outros filmes da Ketchup, como Hellboy e o Homem Torto.
Enquanto isso, no Substack…
Eu assisti Um Filme Minecraft. No cinema. Sessão lotada. Definitivamente, é um dos filmes já feitos. Exatamente como eu previ há alguns meses (ok, qualquer um chegaria a essa conclusão cedo ou tarde). Dito isso, a Isabela Thomé, responsável pela MELHOR NEWSLETTER DA HISTÓRIA DO SUBSTACK, publicou um texto sobre a experiência de assistir a Um Filme Minecraft duas vezes, ambas em salas de cinema lotadas. Sou muito grato à Isabela por ter compartilhado essas palavras, pois agora eu não preciso escrever mais nada sobre esse filme.
Por uma curiosa coincidência, enquanto estava desenvolvendo a edição passada, outras pessoas escreveram no Substack sobre o hábito de escrever. Não publiquei a minha visão sobre o assunto com a intenção de entrar na onda, foi só uma ideia que julguei ser boa o bastante pra celebrar a 50ª edição dessa humilde newsletter. Dois dos melhores textos que li a respeito disso foram esses aqui, da Marie Declercq e do Bruno Fedato. E me junto ao coro deles: se você quer escrever, escreva. Escreva sem medo de errar, sem medo de parecer fútil, sem medo de demonstrar interesse em algo tão específico que talvez ninguém dê bola. 50 edições de newsletter publicadas e eu continuo aqui, sabendo que ainda tenho muito a escrever.
Minha primeira Clarice
Na primeira semana de abril, tive meu primeiríssimo contato genuíno com a obra de Clarice Lispector: eu li A hora da estrela, um dos livros mais conhecidos dela, que já virou até filme.
Só que eu quase não gostei desse livro. Na verdade, achei a primeira metade dele um porre. Provavelmente esse é o tipo de informação sobre mim que eu deveria levar pro túmulo. Mas foda-se, a newsletter é minha e eu escrevo o que quiser.
Ler Clarice pela primeira vez foi um choque, pois eu não tinha ideia de como é a escrita dela. Clarice é muito famosa por ter criado seu próprio estilo, quebrando um pouco as regras da literatura. Mas é incrível como um livro de apenas oitenta e poucas páginas conseguiu me parecer ser tão maçante. O narrador fica dando voltas e mais voltas ao invés de seguir com a história - as dez primeiras páginas são só ele falando sobre a expectativa de contar a história… Meu Deus. Pra mim, o livro só começa a ficar bom de verdade quando a protagonista começa a namorar (o que acontece na metade do livro). Até perguntei à minha terapeuta - a primeira pessoa pra quem confessei esse meu pecado - se todos os livros dela são desse jeito, e ela disse que não é uma coisa exclusiva da Clarice, outros autores contemporâneos a ela também escreviam assim. Não tenho motivos pra não acreditar nela.
Mas, olha… Que fique claro, isso não sou eu dizendo “Ah, mas Clarice Lispector nem é isso tudo!”. Eu acho esse tipo de pensamento bem arrogante. Clarice é aclamada no Brasil e no mundo, e eu não vou contestar isso em hipótese alguma. E A hora da estrela traz uns comentários sociais muito interessantes. A minha questão com o livro mais foi uma situação de primeira impressão. Talvez, nesse momento, eu tenha muito mais fascínio pela Clarice, a pessoa, do que pela obra dela. Mas pretendo ir atrás dos outros livros dela pra ver se a minha impressão vai se manter.
Obrigado por ler esta edição da Anêmona.
Isso é tudo, pessoal!